quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A ressaca de uma campanha baseada em ódio e preconceito

 

Durante essas eleições me portei, praticamente, como uma ave de rapina. Havia pouco de política em discussão. O que mais abundou mesmo foi a podridão. José Serra jogou no lixo sua biografia e, portando-se como um beato alucinado, passou a orquestrar uma campanha desesperada, baseada em ódio religioso e na pregação de toda sorte de preconceitos.

Não iria me dar o trabalho infrutífero de tentar extrair dessas eleições qualquer material para discussão política. Fiquei apenas sobrevoando a podridão, feito um urubu, e descendo para dar uma bicada certeira cada vez que achasse conveniente. Não encontrei outra forma válida de atuação e nem acho que poderia ter encontrado.

Serra e sua cúpula tentaram orquestrar tudo “de cima”, inserindo temas religiosos no programa da TV, tentando criminalizar o passado de luta contra a ditadura da adversária para insuflar diversas manifestações de ódio sem efetivamente “meter a mão na massa” (fecal).

A distribuição de panfletos difamatórios apócrifos nos piores setores da igreja católica e em igrejas evangélicas numa tentativa de “satanizar” a adversária, obviamente, jamais foi assumida por Serra ou por qualquer liderança da campanha.

A conclusão mais fácil seria de que, ao determinar a entrada de temas tendentes a exaltar os ânimos dessas pessoas, a campanha tucana apenas abriu as porteiras para que uma manada de loucos enfurecidos caísse em campo para fazer o trabalho sujo voluntariamente. No entanto, passada a campanha, me sinto compelido a fazer uma releitura e pontuar melhor o envolvimento das lideranças com essa estratégia.

A campanha tucana explorou o tema do aborto com a própria Mônica Serra chamando a adversária de “matadora de criancinhas”, o que provocou na militância a reação de encher seus profiles no Twitter e no Facebook com fotos de bebês.

Não imaginava a senhora Mônica o tamanho da pedrada que viria no seu “telhado de vidro” no que atine a esse tema em particular, quando uma ex aluna, revoltada com a estratégia hipócrita, resolveu revelar que aquela mulher, que agora se portava como um Torquemada “anti-abortista”, na verdade já havia praticado um aborto.

A estratégia da massiva panfletagem com textos apócrifos tentando atribuir à adversária a imagem de uma “terrorista assassina” deveria parecer iniciativa de um bando de malucos de extrema direita que resolveram agir por conta própria, mas descobriu-se que muitos desses panfletos foram impressos em gráficas pertencentes a tucanos.

Se as lideranças tucanas não estavam participando ativamente da estratégia sub-reptícia de tentar explorar temas religiosos e outras baixarias para insuflar ódio em campanha, o que faziam José Serra e Tasso Jereissati numa igreja em Canindé, no interior do Ceará, quando, ao serem repreendidos pelo padre em virtude de estarem tumultuando uma missa, ocasião em que Tasso teve o impulso de partir descontrolado para cima do padre, acusando-o de ser “petista”?

Enfim, essas eleições foram marcantes em vários aspectos, mas o que mais surpreendeu foi a capacidade, não só da Dilma quanto do próprio povo brasileiro em atravessá-la.

Primeiramente, pelo que se conhece a partir de estudos de opinião, um político que, no Brasil, seja alvo de ataques que tentem explorar sua posição quanto à religião para jogá-lo contra a fé do povo, está perdido. Os tucanos sabem muito bem disso, pois o próprio Fernando Henrique perdeu uma eleição para a prefeitura de São Paulo para Jânio Quadros por ter se atrapalhado diante de uma pergunta sobre sua fé (ou ausência dela). A eleição estava apertada e, no dia seguinte, a campanha adversária espalhou panfletos dizendo “Cristão vota Jânio”. Os tucanos creditaram a derrota à postura vacilante de FHC diante daquela pergunta no debate.

De lá para cá a coisa não mudou tanto. Pelo contrário, com o crescimento das igrejas evangélicas, onde pastorecos se dão o trabalho de, continuamente, “em nome de deus”, pregarem a discriminação de homossexuais e outras tantas formas de preconceito, a munição para uma campanha desse tipo se tornou até mais abundante. O próprio vice de Serra, o patético jovem “neocon” Índio da Costa, chegou a se reunir com evangélicos para prometer inserir no programa de governo retrocessos na legislação que protege homossexuais de ofensas preconceituosas. Coisas abjetas, vindas de um sujeito abjeto reunido com gente abjeta.

Dilma foi muito habilidosa e teve um jogo de cintura surpreendente ao lidar com as “saias justas” que exploravam suas supostas convicções religiosas. Quanto ao eleitor, evidentemente, boa parte se deixou levar por isso, mas também é surpreendente que isso não tenha virado o resultado da eleição. Os tucanos fizeram uma aposta, e uma aposta bem embasada, de que radicalizando a vulgaridade e a baixaria, eles iriam sujar as mãos, mas que depois as lavariam nas torneiras do Palácio do Planalto. Dessa vez, não deu.

Encerrada a campanha, com a vitória de Dilma, a lamúria pela derrota de Serra na internet se deu como era esperado, com uma enxurrada de ofensas preconceituosas contra pobres, nordestinos, negros, etc. De maneira alguma fui surpreendido pelo ocorrido. Esse texto tem, unicamente, o objetivo de demonstrar que as lideranças tucanas em campanha tinham, SIM, a mão na massa e agora saem dela com as mãos sujas, tendo emporcalhado a discussão política e insuflado ódios e preconceitos que serviram apenas para dividir o país.

A OAB de Pernambuco já garantiu que os responsáveis pelas manifestações de preconceito irão enfrentar as consequências legais. E quem estava orquestrando isso tudo, paga como? Espero que colha pelo menos um grande prejuízo político.

José Serra, você reacendeu em mim o interesse por política, que andava um tanto morto. Nunca poderei manifestar apoio a ninguém com tanto entusiasmo como manifesto oposição a você e a tudo o que você se dispôs a representar durante sua odiosa campanha.

Não sou hipócrita para declarar que “espero que você aprenda” e volte a ser político, deixando de ser o beato alucinado a semear ódio no qual você resolveu se transformar. Espero, francamente, pois não sei me afastar da franqueza, que você colha dessa campanha os maiores prejuízos políticos possíveis e que isso repercuta sempre em toda tentativa sua de se lançar candidato. Trataremos de preservar a memória desses deprimentes episódios encenados por você e pelos seus. 

PS: Usei novamente esse vídeo do Youtube porque ele é emblemático e mostra a abundância de manifestações de ódio que vieram após a derrota tucana. Não sou o autor do vídeo. Se fosse, não teria usado a imagem do Hitler. Não gosto de dar chances de me enquadrarem na Lei de Godwin em qualquer discussão política.

Em tempo, quem tiver estômago para dar uma olhadinha na coletânea do que foi produzido pela “limitância” tucana, é só ir aqui. Tome um antiemético, se for o caso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário